20 de abril de 2011

. meta morfose .

.

ele olhava o rosto de quem passava e queria
ele olhava as curvas de quem parava e queria
ele olhava os traços do que andava e queria
ele andava parava e passava querendo tudo
mas pesava-lhe não ser ele


não se percebia

ele olhava o mundo para aprendê-lo
imitava
traçava seu traço em antropofagias
e se mostrava

não queria ser único
nem novo
nem nada

queria porque queria
e isso bastava
não porque se preenchia
comia o mundo e depois vomitava
levava ao mundo o que a vida parecia lhe dar

abstrata concreta
não se sabe
o que lhe cabe dizer
é que viver
lhe doía

olhava com a pele
ouvia cheirando
calava com a língua
o que a boca dizia

assim se fazendo:
a vida fazia

que a inveja fosse a ilusão de egoísmos
e que isso
assim como tudo
fosse fabricar-se
queria se concretizar em algo
pra acreditar que existia
e mesmo invejando tudo
não se importava

ao menos assim estaria dentro de tudo
mesmo que o tudo que se incluía
era o que (n)ele repelia

traçava o mundo em traços
palavras escorregadias
e deixava sempre a mostra
a borda das fotografias
desenhos sem realismos
dançava no escuro do dia
criava (-se)

e se trancava o dia inteiro
na sua caixa aberta e vazia


:


vazio de si
esgotado de tudo
resolveu olhar o mundo
de olhos bem fechados

corpo lacrado
solidão voluntária
fez do corpo sua prisão
pra ter do que libertar-se
pra ter o que fazer
enquanto a vida
estava fatalmente
deixando de doer

lembrava do corpo
quando o corpo doía

estava se esquecendo
em qualquer lugar que ia
se deixava
se alargando
dissolvendo
em tudo o que fazia

resolveu deixar de ouvir
respirava cada vez menos
achando que gastava o ar do mundo
comia sem fome
andava escondido
cresceu barba cabelos
cresceu ruga
e o corpo diminuía

tornava-se ponto
e assim assinava
dizia que em um único ponto
tudo cabia

inclusive nada

nada
era o que ele queria

nada seria
nada teria

poderia assim ser escorregadio

em nada:
tudo cabia

cabia tanto tudo
que não se coube mais na pele fria
tinha virado o desenho que ninguém faria

nunca se sentiu tão nulo
nunca se sentiu tão grande
nunca foi tão cheio de vida
escorrendo por sua caixa vazia de mundo
deslocado de tudo o que já conhecia
pode perceber que existia


dizia ele que assim
poderia começar tudo de novo

não que fosse novo
não que fosse exato
mas se tratava como outro
e isso lhe bastava

fato
e ponto

ninguém o entendia
e ele adorava
sendo assim
podia ser ele
e do jeito que ele gostava
e do jeito que lhe cabia

ele olhava o rosto de quem andava e sorria
olhava as curvas de quem parava e sentia
olhava os traços do que passava e saía
ele andava parava e passava se querendo todo
e o peso de ser quem ele era agora lhe fazia gozar por inteiro

se percebeu percebendo-se

e o mundo o olhava para apreendê-lo
o mundo não o imitava
mas o traçava sem traço o que não mais morria
e como quem não se preocupa com isso
ele se mostrava

vivo

como o mundo nunca tinha sido


.

Nenhum comentário: