30 de dezembro de 2008

. ontologia de merda ou... retrato do artista quando caga... segundo gabi .

. chega de poesia . por hoje eu quero falar de merda . é... . é de merda mesmo . de todas as merdas possíveis existentes . eu poderia falar por exemplo da merda produzida no intestino . pra um bom entendimento é bom que fique claro minha relação com meu intestino . e a porra do meu intestino não funciona direito... . ando cagando pouco . a merda fica presa . a barriga dura e inchada . acimentada . a pele fica espeça . áspera . na espera da merda sair . e a merda no intestino às vezes teima em não querer sair . fico sem tirar pra fora o que boto pra dentro . entupida . empanturrada . pesada . e me sinto uma merda . tá tudo uma merda... . o mundo anda com o intestino preso . preso de tanta coisa que a boca engole . engole sem mastigar . vomitando tudo por inteiro . nada é digerido direito . eu mesmo... . moro em cima do esgoto . e as vezes na procura de um ar pra respirar . eu sinto o cheiro da merda subindo até a janela . coloco a merda do cheiro da merda no pulmão . faço aquela cara de azedo . fecho a porra da janela . e volto . ainda mais sem ar . é claro . é uma merda isso... . fico mal-humorado pra caralho . e o mundo vira a maior merda do mundo . mas também . vou te contar viu? . o mundo ta uma bosta . vou sentar na varanda do meu apartamento que fica em cima de esgoto e vejo um mundo de merda . pessoas de merda passando pelas ruas . todas . cheias de merda dentro do intestino preso . dentro da cabeça de merda que todas elas carregam caminhando pelas ruas... . é... . eu disse... eu fico num mal-humor do caralho... . mas enfim... . as ruas tão uma merda sem tamanho também . ce já parou pra olhar o tanto de carro fazendo barulho? . um competindo com o outro quem chega primeiro à lugar nenhum? . desfile de merdas ambulantes dentro dos seus carros de merda e pensando um monte de merda dentro do carro . seja ela a merda que for . só pra variar um pouquinho... . o céu ta lindo hoje . azul de primavera . as nuvens brancas . pinceladas . sei lá... . minha contemplação diária desse azul aí durou por muito pouco tempo hoje . fui interrompido pelo cheiro de merda que subiu do esgoto . daí parei de olhar o céu . olhei pra baixo . e ao lado do meu prédio tem um terreno baldio... . vi um cara lá mudando a propaganda do outdoor . vi também um menino e uma menina entrando no terreno . fiquei olhando o cara do outdoor olhar os dois que entravam no terreno . da pra ver tudo da varanda . ele pára de colar os pedaços lá da imagem . e olha . lá de cima . os dois caminhando . e eu . olho daqui o cara de lá olhando . o casal se sentou no canto . do lado de um arbusto . e começou a fumar craque . pelo menos parecia que era... . e o cara do outdoor . voltou ao seu trabalho que é ficar em cima da escada pregando a imagem do outdoor na esquina . fiquei esperando o cara terminar de colar a mais nova maneira de se vestir . é uma mulher... . uma mulher loira com cabelo de laquê . segurando uma bolsa de couro vermelha . um batom vermelho . da cor da bolsa . pra combinar . e o nome da marca e da loja bem ao lado do seu mais novo objeto de consumo do mercado . e duas mulheres passam olhando o outdoor recém-atualizado . fiquei imaginando o que as duas mulheres pensaram . e pensei que pensar o que elas poderiam estar pensando . é pensar o que eu penso . e eu penso que o mundo hoje com meu intestino preso anda uma merda . ahhhh... vai me desculpar... mas vai dizer que você nunca teve um dia desses? . vai dizer que seu fluxo intestinal é perfeitamente eficiente? . já parou pra pensar como a merda no intestino influencia no humor dagente? . talvez . se eu não estive como estou hoje . não teria nada de mais a mulher da bolsa vermelha e dos lábios carnudos estar ali . estática . na minha frente . sorrindo pra mim . parecendo uma boneca . uma dessas aí . sem vida . sem desejo pulsante . às vezes o bom mesmo é abstrair as coisas, viu? . se o mundo todo ta uma merda . não vai mudar muito a merda que eu cago ou deixo de cagar . sei lá . é uma merda não poder fazer nada . ou fazer e saber que vai ser pouco . mas até que tô mudando algumas coisas . mudei a alimentação . mudei o ritmo dos dias . agora me canso é de ter o que fazer . há pouco era o contrário . o cansaço era de não fazer nada mesmo . de todo jeito... . pelo menos minha merda agora sai colorida . to comendo muita salada . legumes . beterraba . cenoura . alface . couve . milho . repolho . tomate... . dá pra imaginar? . consegue visualizar uma merda saindo toda coloridinha? . é engraçado... chega a ser “bonitinho” a merda lá... . boiando na privada . que nem aqueles penduricalhos que se colocam em cima do berço do bebê . pra lá e pra cá na água da privada . as vezes eu paro pra olhar a merda que faço e fico hoooras imaginando do quê que é a cor do que sai na merda . fico pensando no que ando engolindo ultimamente . e ultimamente ando meio intolerante com as coisas . às vezes . escondo até capa de revista na fila do supermercado . me irrita ver as imagens do mundo . me irrita o papel da mulher inquestionável . naturalizado . e fielmente obedecido . pelas mulheres (e não-mulheres) que passam olhando as imagens como se não quisessem nada . olhando simplesmente porque é aquilo o que se coloca ali pra olhar . daí passa a menina de 7 anos olhando . e pensando no que ela vai querer ser quando crescer... . capa de revista, oras! . daí passa o irmão dela de 9 anos e olha pra imagem da mulher e das mulheres que por ali passam todo dia . toda hora . porque não sei que porra é que ta todo mundo toda hora no supermercado... . e passa o cara de 25 . de 50 . não importa . não importa muito a idade . em qualquer idade a merda é sempre merda . ela é aquilo que o corpo rejeita . ela é aquilo que às vezes dói pra sair . às vezes sai fácil demais também . é uma merda ter vontade de cagar numa hora inconveniente por exemplo . mas falta de privada agora já não é mais problema . aprendi a cagar em qualquer lugar e o único pré-requisito é o obrigatório papel higiênico . e com as privadas que se cruzaram comigo nos caminhos desse mundo de merda . tive que me obrigar a aprender a cagar em pé . é um exercício de equilíbrio desgraçado . tem que se concentrar na posição das pernas . no apoio das mãos . e com a calça que você abaixa pra não ficar encostando no resto de merda dos outros grudados na privada mal lavada e que também não pode enconstar no chão imundo do banheiro. mas o pior não é nada... . é quando você nessa situação que parece não ter nada pior . se depara com o banho da merda caindo na água da privada e molhando sua bunda . o desespero é de não saber o que se fazer numa situação onde você tem que se concentrar na posição que você está . na merda que ainda não acabou de sair . e na bunda encharcada com aquela água nojenta da privada . e você se sente uma merda sem tamanho . você só consegue pensar: “PUTA QUE PARIU! QUE MERDA DO CARAAAALHO!” . daí você já começa a suar nervoso e entra numa crise existencial filadaputa do tipo: “limpo minha bunda agora ou termino de cagar?” . e aí vai de circunstância a circunstância, meu amigo... . um dia você limpa quando pode . um dia você limpa logo tudo depois que amerda acaba . porque além de tudo . tem sempre o risco do banho na bunda não ser só um . ainda tem isso... . às vezes eu paro pra pensar o que será que é pior: cagar demais ou de menos? . ou ainda: bosta dura e grandes daquela que quando sai parece que ta rasgando o cu ou daquelas que tem consistência de mijo e que arde quando sai? . é um saco ter um intestino complexo . é um saco trabalhar com coisas radicais demais . é claro que o melhor não é nenhuma das duas opções . bosta boa é a que dá prazer de cagar . isso é fato... . o fato é que talvez muitas pessoas nem saibam do que consiste a própria merda que cagam . e isso é uma merda também . porque o que não falta nesse mundo de merda... é gente fazendo merda o tempo todo .

29 de dezembro de 2008

. carta à alguém muito distante .


dias distintos dos meus dias... tô sozinha... mas não solitária... silenciosa vagando pela casa... escrevo... danço... leio... em silêncio... é como estou nesses dias... treinando os sentidos acomodados pelo vício da fala... descobri que quando sozinha é a hora que mais falo... falo demais comigo mesma... rio... gesticulo... choro... mil perguntas mil respostas... todas minhas e pra mim...
a saudade ta roendo os ossos... a família está longe.. lá longe... onde geralmente me encontro em casa... e eu fiquei aqui.. sozinha em casa que não me sinto tão em casa assim... reveillon vou passar sozinha... presa no apartamento... em silêncio... ordenei que da porta pra dentro nenhuma palavra pode ser dita... e se alguém vier aqui... só entra se for calado... é difícil treinar o silêncio... as palavras pesam quando não ditas... e ando me sentindo leve no passar das horas dos meus dias... experimentando dias calados... solitários... cheio de silêncios... cheio de vazios... permiti que a loucura entrasse porta a dentro... e ela ta aqui comigo me botando no colo...
nesses dias de exercício do silêncio me encontro escrevendo muito sobre saudades...
e mais que silêncio... saudade é o que mais tenho.


feliz ano novo...
feliz dias novos...
e que tudo se renove a cada dia, todo dia, pra que nada seja o mesmo...

. páginas em branco .

. há dois dias . se não me engano . o que não é muito difícil... . enlouqueci... . ditei as novas regras da casa: aqui ninguém fala . nenhum som . nada pode ser dito aqui . estipulei o tempo de um silêncio obrigatório . e assim fiquei bamba . assim fiquei . aqui . sozinha . sem as palavras . são tantas coisas aqui dentro . numa turbulência tão intolerante . que me pus sem palavras . as palavras morreram . saíram por aí . livres e bambas . pra conhecer outros lugares . o silêncio não faz de mim lugar-comum . o silêncio desaparece cotidianos . não é o fato de faltarem palavras . sou feita delas . da cabeças aos pés . mas resolvi me virar ao avesso . o avesso dos dias . das noites . de todas as madrugadas . foi proibido qualquer exercício que não seja aguçar os ouvidos . e os olhos . e a pele . do corpo todo . por inteiro . quebradiço . como o silêncio . silêncio não é . definitivamente . a ausência de palavras . elas vão pra todos os lugares e estão sempre aqui . ao mesmo tempo . enclausuradas em mim e livres de mim . a boca agora se permite abrir pra outras coisas . a garganta agora vibra adormecendo as cordas vocais . não é que eu tenha perdido a voz . a voz está aqui . não desafinei minhas cordas . não me quebrei . apenas me ausentei no silêncio . e em silêncio . o mundo se faz barulhento demais . nada se escuta de tanto barulho . e nada se fala mais . é que são tantas palavras . e o silêncio me lava . me faz espuma . frágil e leve à procura do estouro . a procura de explosões . e me desfaço . por todas as partes . e em todas as partes . vibro . como choro preso na garganta . me torno o grito que não quer sair . ou até quer . mas estipulei as regras . ditei um outro modo de explodir . se engana quem diz que o silêncio não pesa . ele parece carregar todas as palavras ao mesmo tempo . todas . uma em cima da outra . toneladas de desejos destinados a morrerem na garganta . matei as palavras apenas provisoriamente . de loucura provisória ando me alimentando esses dias . porque até que o silêncio passe . a loucura ainda vai se hospedar por uns dias . bem vinda . acolhida . recolhida no aconchego de silêncios menos vazios que as palavras que não digo . é isso . apenas isso .

. páginas .


. é estranho não saber distinguir . onde as coisas começam . onde as coisas terminam . as coisas se misturam . fluidas . moles . movimento de rio mesmo . passa . vai . alinha um caminho que a cada passo se modifica . torna-se outro . outros . tantos . compassos . o que me resta é passagem... . e passagem de ida . é estranho perceber . que se morre a todo tempo . que se mata a cada dia . e minha loucura tece a vida de maneira tão insólida . que nem me preocupo se o insólido existe . de toda maneira . a crença é de que as palavras . se é que elas existem mesmo . são inventadas . criadas . usadas como corpo dia-a-dia . e as palavras . nos dias que se passam . como um rio . se tornam o motivo de acordar a cada dia . de maneira ou de outra . as palavras atuam dentro da boca . a palavra voa . vai . e venta . inventa um conceito qualquer de existir . e o corpo . domesticado em suas palavras . obedece o que a palavra significa . eu não sei se as palavras vem de dentro . eu não sei quais palavras definem minha loucura . mas a loucura tece... . tece as formas de maneira imprecisa . impiedosa . e viver . se torna palavra . e viver . se torna impreciso . viver se torna o que a palavra dita . e elas acabam por ser o que me resta pra acariciar minha loucura . o corpo tenta de toda maneira entender o silêncio . entender o que o silêncio dita . é como se as palavras se tornam-se a ditadura do corpo . e tudo . todas as palavras precisassem ser ditas . munidas de seus mais variados sentidos . indo . em todas as direções . sendo inevitavelmente interrompidas . não interessa o traçar dos caminhos . as palavras sempre chegam . sempre outras . nunca a mesma que sai da boca . nunca a mesma que entra . mesmo . em mesmas letras . entenda... não entenda nada . é o que elas dizem . a todo momento . em todo silêncio . entenda... nada é o mesmo seja lá o que isso significa . entenda... são só palavras . tolas palavras . sons que rasgam os ouvidos . desenhos que furam pupila . o que existe . me parece . é a pele . e a pele pede o tato . a pele pede o outro . e num sentido desgovernado . o corpo vai voa e venta . como as palavras,

. desculpa... não entendi .

.

o mais bonito da fumaça é o silêncio
o mais bonito da palavra é o avesso
o mais cruel das ordens é o começo
o mais doce em mim amarga
nítida como palavra dita
e certa em meus ouvidos
que estou certa
incerta de mim mesma
e nem me importo com isso
eu vomito sem comer
quando sai de mim é vento...
e invento em mim um novo jeito de comer
eu já não sei o que dói
eu já não entendo
tirar palavras de mim
é amputar-me de mim mesma
como se eu pudesse desfazer-me
tirando de pedaço a pedaço
o que dói imprescindível ao me dizer-me
a pele vira palavra invertida
vira palavra não dita
sem entendimento de palavra
a palavra me dita
como um ditado que repete ditado
sem criar-se
estagnado
atrofiado
opaco
não que as coisas venham de dentro
porque não há dentro
há o vazio
é só o que sei
um vazio que palavra nenhuma se compromete em preencher
as palavras não preenchem nada
não me preenchem em nada
só me deixa cheia
de mim
mesma
ditando palavras ditas em seus ditados
corpos
mortos
presos
viver
se torna
ilegal
criar
se torna
crime
prisão perpétua do corpo
que de maneira ou de outra
simplesmente
obedece
somos indefinidamente obedientes
não importa de onde vem ou como começa a ordem
porque inevitavelmente não somos verbo
somos sujeitos
inativos
nativos de uma palavra inquestionável
indefinível
a vida
não permite o movimento
pois a vida agora é algo
a vida agora afirma
o que meu corpo acredita ser
seja lá o que for
seja lá como eu vou
a pele não sabe onde
acaba
onde
termina
meu corpo
pede desordem
meu corpo impede de eu ir...
praquele lugar distante
que não conheço
não me conheço
nada
é
de
mim
.
.
.


.

21 de dezembro de 2008

. quando o canto é de bom dia .

-...
-é o que passarinho?
-...
-repete o canto e me explica os tons das cores em que se fazem esse amanhacer...
-...
-me faço em prantos a entender em quantos tons me faço ao ver o sol nascer...
-...
-ainda não entendo, por conta desse ouvido humano, por conta desse estar mundano, por conta do buscar saber...
-...
-são quantos? são quantos os cantos em tantos cantos que há o aviso de um novo dia? dançando em si tal euforia de ser outro nesse dia-a-dia...
-...
-que música é essa que se faz em ritos desse grande mito que é o nascer do dia?
-...
-que dança, movimento brusco de tal alegria?
-...
-é que os passarinhos dizem mais que o mundo que invento tanto nas palavras ditas...
-...
-é que o soar do canto desses passarinhos me ultrapassam tanto, que de tanto em tanto comtemplo a sinfonia do se criar a cada dia...
-...
-...é... bom dia!

20 de dezembro de 2008

. sem palavras .

.

meu corpo é uma palavra inexata
que permite embaralhar-se em si mesmo
para não ser dita
as letras em si não importam
e não se importam
o que importa
é a sensação de ver
p
e
s
c
o
ç
o
tornar-se cintura
da faringe tornar-se a
c
o
l
u
n
a
incerta
certa de carregar bem ao meio
uma garganta
com nitidez de umbigo

não faz sentido
eu sei
na verdade
nada parece fazer sentido

mas meu corpo é palavra que não se pontua
mas que pousa no mundo
assim como as palavras
no vento...
e como estas,
meu corpo vai...
sem rumo e sem sentido
fazendo de mim um texto sem nexo
espelho com milhões de reflexos
palavra viva
que se aprende nova
a cada dia
e que aprende todo dia
um novo jeito de ditar-se
meu corpo é ditadura da linguagem
meu corpo se perde em suas margens
não sei onde começo
não sei onde termino
e talvez
seja isso...
não termino nunca...
meu corpo se
dissssssssolve
em
ssssiiii
mesmo
meu corpo
tem o peso de silêncios
forma opaca de gritos secos
presos
na prisão que se faz a pele
com seus poros soltos
intocáveis
como as
l
e
t
r
a
s

.

. sei lá .

. sei lá... minhas ilusões são que há de mais racional em mim .

. caos do porto .


. saudade é cais de um porto vazio de seus barcos . o abraço morto sedento de seus braços . o cansaço do corpo na procura inversa do vazio . saudade é sobra do que fica na busca do incansável . palavra ausente da rima com o indizível . a soma da fome e do sono junto ao frio . é que saudade é desconforto de não ter lugar seguro . incômodo . pigarro de gargantas cansadas de cigarros . saudade é sintoma de tempo que não rima alguns caminhos . saudade é motivo de meus versos... mesmo que nunca tenha rimado muito comigo .

18 de dezembro de 2008

. a arte de fumar .

. a fumaça busca o distante . mostra que as coisas estão fora do alcance . das mãos que tocam o concreto . dos olhos que vêem o abstrato . da mente que crê no inexato . do corpo que segue o incerto . os poros têm textura de fumaça . fluxo contínuo de busca no indizível . formas de desejo do infinito . fluxo . de estar no que se é por tão pouco tempo . ... e tudo é tão pouco... . a fumaça dá formas ao vento . tranforma o invisível do tempo em mais uma palavra . eis a sua rima com o vento . tal qual a sua sina do intocável . é porque a fumaça busca mesmo o intocável . busca o lá . fora daqui . o distante . ...quando o tempo é tédio: fumar se torna a arte de um suicídio lento .

13 de dezembro de 2008

. terapia temporal .

. o tempo resolveu conversar sério comigo . me dizer sobre as coisas que nem o tempo poderia me fazer saber . o tempo se permitiu dizer . sussurrando agudo os gritos que se escondem nos seus dias repetidos. repetidos. repetidos dias... . a rotina desgasta tudo . e tudo desgasta a rotina . a rotina cansa tudo . e na rotina tudo se cansa . longo espaço de tempo . resolveu se enclausurar em seus silêncios . fiquei olhando pro tempo . fiquei pensando no tempo . analisando o tempo do tempo . depois de um tempo... voltando aos dizeres do tempo . veio me dizer que se sente meio só ultimamente . anda deixando tudo passar rápido demais . não tem nem tempo de enrugar as coisas mais . e mais e mais se sente enrugado com sua falta de tempo . o tempo diz não ter tempo de ser . ele não cabe em si . ele não cabe em ninguém . ele não cabe em sua falta de cabimento de ser . porque só é, aquilo que tem tempo de ser . tempo pra ser . e o ser não cabe no tempo . por essas e outras inventam-se passados . sustentam-se memórias . contam-se histórias . é jeito estranho de concretizar o tempo. um tempo sem sentido cronologizado em ponteiros que apontam para o infinito . e nessas horas é que o tempo vem me dizer repetindo que o infinito é um segundo do seu tempo . conversamos um bom tempo . e o tempo se fez bom . o tempo parou ao falar de si . se confundiu . desnorteou . sem precisão se envergonhou . não entendeu não entender-se . coisas que nem o tempo sabe dizer . que não se aprende nem com o tempo . ele disse que odiava a idéia de ser justificativa pra tudo . que ele não quer dizer nada a ninguém . anda furioso por ser mal compreendido . mal entendido . mal passado . o tempo anda pedindo mais tempo . anda cansado de não ter tempo pra nada . desentendeu as metáforas supostas de ponteiros . antes de acabar acabou o tempo . sessão encerrada . tempo encerrado . tempo cerrado . tempo errado . agora... só com o tempo pro tempo fazer passar o tempo .

19 de novembro de 2008

. (des) continuar .

.

poesia não é rimar palavras

poesia é inventar palavras

dar sempre novas formas

novas funções

brincar com os sons

mecher com os tons


as palavras morrem quando não há alguém disposto a usá-las

pra dar continuidade...

e palavras tem movimento

são feitas de imprecisão

são recheadas de supertições


palavras são invisíveis

ganham consistência de vento

e vão

pro ouvido que tiver com a fome de engolir palavras


palavras repetidas se sentem enclausuradas

enjauladas em bocas sem criatividade

sem força de expressão


o sentido da palavra está em ser como quem a inventa

sempre nova

mesmo sendo a mesma


palavras pedem liberdade

palavras pedem pra que sejam desterritorializadas

"desdistritorizadas" se assim quiser que seja

porque sua existência é frágil

começa simplesmente porque alguém cisma que ela poderia existir

e termina simplesmente porque ninguém a usa mais


o tempo todo

o tempo inteiro

palavras pedem incompletude

é como se elas fossem...


.

16 de novembro de 2008

. i n c o n t e s t e .

inconstancia
sincontancia
inscontancia
incontancias

10 de novembro de 2008

. nadezas .

.

ala de ar

casa de lavras

lavras de lavroura*

larva de som

ouvido de língua

língua de tom

lavar a sujeira da boca

a ver

o haver

da linguagem oca

para parar

brincar de inventar

p a l a v r e a r

...paladar:

para dar

sabor

às palavras


.



*lai

2 de novembro de 2008

30 de outubro de 2008

. exercício besta .

. cores e formas e sensações . de desembaratinar os olhos mergulhados no abstrato . idéias gelatinosas e escorregadias que se fazem sem precisão . coisa de continuar . de dar idéia de passagem .

26 de outubro de 2008

21 de outubro de 2008

. fases .

.


da lua
na lua
com a lua
para a lua
entre a lua
e eu

há tantas ruas
por onde passam
em vestes nuas
em passos rasos

rastros
de pessoas
que ultrapassam
suas próprias fases

fases de ser
e de não ser
nas ruas
por onde passam

em vestes cruas
deixando toda nudez
de lado
do lado de lá
do lado de cá
do lado de estar
do outro lado da lua

aqui no final da rua...
onde ninguém passa
pelo passado
da lua
que nem tempo tem
de ser

minguar
crescer
inovar...
farta de ruas vazias
a lua cheia deita
em minhas fases

.

20 de outubro de 2008

. pedido de volta .

.

me perdi na cor dos olhos
na troca de palavras ditas
mas foi o seu silêncio que ficou
e que complica:
- rascunho imperecível!

.

. segredo .


. "corre, a caminhada é curta" . se entrega aos caminhos de braços abertos . porque no batido de saberes incertos . lá . bem no íntimo de segredos secretos . mora agora uma cor desconhecida da sua lembrança . segue . e em cada parada de descanço . não se despeça . porque talvez nada seja . nada tenha início nem fim . talvez tudo seja meio . pra que tudo aconteça . tempo presente onde só o toque segue com algo a dizer . ou não . vai saber . é como se palavra nenhuma precisasse ser dita . basta olhar e pensar no cheiro dessa sua vida fugas . que se cruza com a minha . e que nem minha é . mas se quis com a sua nesse período tempo de um dia . que não acabou . nem vejo parar . porque em cada gota de entrega . onde pulsa esse toque quase ausente de distância quase junta . toquei-te com fina lâmina em segredo . e me cortei sangrando uma cor sem cicatriz chamada "fuchsia" .

19 de outubro de 2008

. (f)utilidades práticas .

.

futilidade
fútil utilidade
fútil idade,
todas elas...

utilidade
útil utilidade
útil futilidade
de brincar
com as
palavras

viver
é tão
útil
quanto
fútil

e ser fútil
é tão
inútil
quanto
fútil

... simples asim,
como um poema,
que rima sentimentos
úteis
nessa vida inútil
que se faz nesse tempo inútil

que utilidade
tem a vida?
e por que não
viver na futilidade
do tempo...

não mudaria em nada,
mesmo.

.

16 de outubro de 2008

. des do brar-se .

. o corpo se desdobra ao permitir-se ao desconhecido . talvez o corpo peça pra se ter menos pensamento lógico e mais lógica nas sensações . nos sentimentos . ou nenhuma lógica pra nada mesmo . querer entender as coisas talvez seja não viver na presentidade do tempo .

14 de outubro de 2008

. o corpo .

.

o corpo é

passagem,
passeio,
passageiro,

o corpo

passa,
em passos
pelo descompasso
dos ponteiros,

jamais
se finca,
fixo
na finalidade de um tempo
sem finitude,

traga-me um corpo
que não acaba,
pálido
em poros
que se fazem paredes,

o corpo
pede
que a vida
seja flexível
como a pele,

.

12 de outubro de 2008

. nem importa .

.

o amor é indizível
tem em sua forma nítida
a clara precisão das reticências

a saudade é indiscernível
por sua vez disforme
cria-se firme em seu movimento eterno de busca

a alegria é indiscutível
ela é seca e dura
como aquilo que não se sabe

hoje sinto saudade da simplicidade das coisas
hoje o amor me silenciou
e opaca por culpa do amor em demasia
desentendi-me da inocência que carregava com a alegria

.

11 de outubro de 2008

. vômito .

.

enquanto
as
palavras
dançam
nos
ouvidos
que
comem
as
palavras
águas
de
soro
escorrem
pelos
olhos
que
comem
o
mundo
e
com
o
mundo
viram
a
boca
do
corpo

.

. encontros .

.

a dança e o riso do corpo
a pele em contato com o vento
a língua em contato com o gosto
em contato com cores
em movimento
o encontro dos poros e o cheiro

a vida de quem cedo morre

a água que na pedra dorme

os poros de um grito seco
que dói
no silêncio de quem ouve
que dói
no silêncio de quem ouve

busco sentidos
e a palavra não é mais que o homem
sonhando cego em seus ponteiros
e o tempo não é mais que homem
enquanto a loucura dorme
o homem nada é mais que homem

.

. "corpo sem órgãos" .

. pra que se dê ao corpo liberdade de ser corpo . em movimento . flexível . indizível . impreciso . indeciso . em suas formas nitidamente abstratas . em sua concretude embaçada . dar ao corpo possibilidade de ganhar espaço . de dançar em si mesmo . e às vezes . até mesmo sem música alguma . e se perder num respirar que se compõe com suas notas musicais imaginárias . i(ni)magináveis . e se permitir tropeçar . e cair . em si mesmo . por si mesmo . criar-se em um corpo que se cria novo . pra que tudo se dê em formas diferentes . criar-se . com a permissão do contraditório . do frágil . do permeável ao permissível . perecível . limite impreciso de ser qualquer coisa que seja . um corpo sem nome . sem órgãos . perdido em seu signo . em seu símbolo . em seu rito . em seu mito . perdido em seu nome . codinome . nômade . sem territórios . perverso . disperso . sem fundamentos . fluxos contínuos . d e m o v i m e n t o à m o v i m e n t o .

10 de outubro de 2008

. no meio do caminho tinha o óbvio .

. é como se os passos não mudassem . e tudo se encontrasse na mesmice de como caminhar . e é como se seus dias tão iguais . te dessem o mesmo caminho pra que você o seguisse todos os dias . então . o que te resta é ir em frente sem olhar o que é tão óbvio . o que se faz tão rotineiro no movimento de cotidianizar . é... porque geralmente é difícil enxergar o que se encontra bem na frente dos olhos . as vezes de tão visto os caminhos se tornam invisíveis . daí é isso . você indo . por ir . no caminho de sempre . caminhando do mesmo jeito . achando tão óbvio caminhar por aquele caminho . se esquece de olhar os obstáculos que o caminho . que você faz todos os dias . te oferece . e você andando . e sem perceber . vai de encontro à qualquer buraco . e aí . ao perceber o buraco você se vê . tropeçando em si mesmo . caindo de cara no chão . e então . você leva uma rasteira no seu dia tão igual ao outro . e ao outro . e aos outros . iguais . exatamente como você . em cada dia que se faz igual no seu mesmo jeito de caminhar . e então . você se vê desequilibrado . frágil . caindo . de cara no chão . e então . você sem poder fazer nada mais que assistir a sua própria queda . ainda tenta ser consistente no que diz respeito ao seu próprio corpo e coloca os braços na frente da cara pra que a queda se amorteça . e quando você vê . você já não viu como foi cair . como foi dar de cara no que está na frente da sua cara todos os dias . da mesma maneira . com a mesmice de ser você t o d o s o s d i a s . daí você acorda . do sonho . do susto que é ter o corpo em uma posição por uma situação que não deu tempo ao próprio corpo de se perceber posicionado . e então você se percebe . percebe o braço ralado . o joelho . as costas . o rosto desfalecido . e o corpo torna-se fraco . torna-se frágil ao vício do cotidiano . e então . você percebe que seu corpo vive . e se mexe . e se protege . e sangra . e enfeita o pedaço de chão que te fez estar em desequilíbrio por não conhecer o caminho que caminha todos os dias com os pés que você acha que conhece tão bem . "a vida te dá uma rasteira, te derruba com a cara no chão" . deve ser pra mostrar que o caminho dos dias que te seguem e que te pisam cuidadosamente nunca é tão óbvio quanto você . e que seu corpo tão despercebido é o que te mostra vivo diante de uma queda qualquer .

9 de outubro de 2008

. sem porquê nem praquê, só pra escrever .

. o espaço de tempo que existe entre uma palavra e outra e outra e outras palavras parece menos vago e menos denso que a junção das letras . o espaço de tempo entre o pensar algo e transquever alguma coisa parece infinito . o corpo fala o tempo todo . não verbalizar . ainda que o verbo se palavreie no corpo . sem pontuar . apenas discrever . escrever . pra que se preserve um pouco de sanidade . sim . sanidade . não do corpo como um todo . mas das palavras pontuadas . sem sentido algum de ser palavra organizada . mais uma vez: desculpe a falta de sentidos .

7 de outubro de 2008

. cidade natal .

.

do mundo

no mundo

o m u n d o

do mundo inteiro
do mundo todo
e nada
pela
met
ade...

de todo mundo
todos eles
no mundo todo

o mundo não cabe na sola dos pés
o mundo não sabe
não sabe de nada
não sabe que é mundo
o mundo do mundo


desculpe
a falta
de sentidos

.

15 de setembro de 2008

. mais uma de vazios .

Não sei se estou vazio das coisas, ou se são as coisas que estão vazias de mim. Não sei mais se são as coisas que me esvaziam de mim ou se sou eu que me esvazio nas coisas. Não sei se esvazio as coisas. Não sei se estou vazio ou cheio de mim. Não sei se estou vazio ou cheio das coisas. Não sei se sou esse vazio, ou se sou as coisas. Não sei se sou coisas vazias, ou coisas cheias delas. Não sei porque desse vácuo, desse escuro, desse silêncio que as vezes insiste em residir aqui dentro, ou aqui fora de mim e das coisas. Hoje sinto uma distância tremenda entre o mundo e eu. Entre eu e esse mundo meu. Ando sendo hoje o que não sei de mim. Pisar em tédios faz bem?

.

Nunca ser maior que o abismo
porque todo sentir, dói.
Onde você está?
_eu tô aqui, comigo.

. esquizofrenia científica ou caixa craniana: manicômio dos pensamentos .

A: _ se as palavras não tivessem acento seus cabelos subiriam, isso porque as paredes têm quatro quinas... qual seu signo?
T: _ peixes, por quê?
A: _ eu sabia... nos odiamos!!!
T: _ e o seu?
A: _ não posso dizer.
T: _ qual seu nome?
A: _ não posso dizer!
T: _ por que não?
A: _ porque pra saber se você vai entender primeiro tenho que estudar seu crânio, afinal temos três cérebros... não é?
T: _ ta.. que horas então?
A: _ é exatamente isso que estou querendo lhe dizer!
T: _ então... são que horas?
A: _ não posso mais dizer, porque você já formou um “F” com suas pernas, e é preciso cuidado com as deformidades hormonais, porque se não você viveria pra lamber as mulheres, ou faria gestos derretidos como os homens homossexuais....
T: _ já falei que não gosto quando você fica em silêncio atrás de mim!
A: _ mas eu não estou atrás de você... estou dentro de você.


“não ser as coisas não nos permite saber sobre elas, porque parece que todo acreditar é psicótico. A própria vida é uma suposição. Supor é o que o homem faz quando denomina o mundo... e por causa disso ele acredita que pode saber sobre tudo o que denomina... provar as coisas seria impossível dessa maneira... porque as coisas são somente o que elas se permitem saber. A gente recebe as coisas de fora... da maneira que nos parece certa, mas o certo é mais uma suposição humana ... a ciência é psicótica... não só os homens...

. sem lugar .

.
é como caber em qualquer lugar




...... menos dentro de si
.

. o fim de tudo .

.

o fim do mundo é onde não cabe onde
e o fim de tudo
é quando
é quanto
.

.

.

.

.

.
.....................................................é longe
... é aqui
dentro
de
mim
.

. nada demais .

. pisando no extremo meio de tudo . onde tudo é nada mais que a possibilidade de ser exatamente o que nunca precisaria ser . onde as coisas em sua sã consciência de coisa entra nos olhos . nos ouvidos. na pele . na boca . e vai... me sendo coisa . me tornando coisa . me desfazendo coisas . e assim eu vou/ .sem caminho traçado . pisando em palavras que não rimam comigo . pisando em mim . pisando na poesia de desconstruir cada conceito da palavra . da crença . da vontade de qualquer coisa . pisando na estranhice de se assumir como qualquer um. levando o peso nas costas . levando os calos num caminho onde qualquer pensamento desconheça . qualquer sonho permaneça . fazendo tudo ir . facilmente . no lugar onde somente quem desconheço acaricia minhas certezas de não ser... qualquer coisa que seja.

. efeito de fábrica .

.
pensar
pensar..
pensar.....

até o cérebro quebrar
.

. mais uma sem sentido de nada .

. onde as luzes piscam mais que os olhos . onde as sombras brincam de se tocar . onde tudo se converge pra onde se pode apontar . onde o silêncio mora nos olhos famintos . daquilo que se procura dançar . em cima dos barulhos . onde a música são tons dançantes entrando no buraco fundo da pupila . como se fosse possível ser todas as palavras . rimar poeticamente as peças quebradas da vida . e com uma vírgula se pegar no delírio , de pular pontos reticentes como alguns ponteiros fazem . quando com a alma par ti da .

. expurgos .

.
na poesia
da boca oca
na boca solta
de quem arrota
um grito
de boca em boca
enquanto
alguns
peidam
sentidos
.

. embalagens discartáveis .

Hoje eu quis te dar palavras de presente. Como se você pudesse guardar pra si um sentimento concreto... sons não se guardam se não gravados... então como não me dou muito bem com diálogos resolvi te dar meus sentimentos sentidos nesse momento pra que você guardasse como seus. Não quero que você sinta o que eu sinto, apenas guarde. Como se cada palavra fosse componente de um objeto quebrado e remontado. Porque parece q é assim q estou: em pedaços. Não me pergunte por que, mas as palavras que me compõe são as que defino como as partes constituintes desse presente. Quero que você me guarde... leia as palavras como se estivesse desembrulhando um presente. Me faça entrar pra dentro de você através dos seus olhos. Leia cada letra como sendo células que fazem as palavras serem mais que ventos... Não me compreendo, não entendo os arrodeios que dou para dar sentido as coisas do mundo que vão além de mim. Não entendo o que vem antes de mim, não entendo a ordem das coisas que defino como minhas e porque minhas me fazem assim. Não entendo quase nada que tem como definição uma simples e específica palavra. Como se a palavra naturalizasse o ser das coisas definidas por elas. Sei que tenho problemas em compreender o que hoje vai além dos seus fonemas e sílabas constituintes. Não sei do que se trata o constituir algo. Porque não sou o que me faço. Não voluntariamente. Não com a consciência plena de estar sendo isso que me da uma “forma” de ser. E de parecer ser tão definitiva quanto a palavra que me define. Por isso que acredito que bom mesmo de sentir, é aquilo que não tem nome. É aquilo que desconheço como algo certo de ser tão conhecido a ponto de ser “falado”. Pelo visto ando tendo muitos problemas em me relacionar com as palavras. E por causa disso ando tendo problemas também em aceitar o silêncio como a ausência delas. Fico por aqui... não por faltar palavras, mas por faltar um silêncio que defina mais exatamente o que sinto quando acredito que a loucura é tão livre e confortável como o morrer. Adeus.

..

. enquanto o vento quebra . o silêncio do tempo . a saudade cospe um nó . nos desajustes dos ponteiros . e o mundo se depara . com as cores do invisível . e torna o sorriso . a excreção pura de algo . que foi partido . deixado . interrompido . e define a verdade dos momentos . onde as reticências são apenas dois pontos ..

. quando a vida se olha no espelho .

e eu aqui nesse "abismo de nada"
esperando que o vento me traga respostas.
e eu aqui derramando minha vida pelos olhos,
me expulsando friamente de mim.
e eu aqui,
me sentindo sair pelas vísceras,
queimando os poros de um rosto maquiado de apatia.
e eu aqui, sendo engolido pelo desaforo que é viver.
sendo esmagado pelo encanto do silêncio que não suporto guardar dentro da pele de mim.
e eu aqui tendo a morte acariciando minha cabeça todos os dias.
e eu aqui
sendo enforcada pela vida.
sentindo o aperto das cordas no pescoço.
e é a vida que me empurra.
é ela que não me deixa livre pra ser.
é ela que não me liberta pra viver.
e eu espero o vento...pra que ele me derrube.
pra ele me faça cair em mim mesmo.
pra que assim seja mais suportável sentir a vida entrando pela pupila
sem machucar o que ainda resta de cores nos olhos.
a vida me mata.
e eu mato a vida.

. assim... .

. ao sorrir, seja o sorriso e nada mais, pra que não seja tão contraditório ser quanto as outras coisas que ainda restam, ou até mesmo as que não restam em nada mais porque não foram ...não foram, e foram... o que vai além do que é preciso ser, porque sorriso nem sempre consegue ser sorriso, porque dá nisso ser, ser assim, tanta coisa ao mesmo tempo e acaba sem tempo de ser verdade, de ser a simplicidade de ser assim, assim... .

. lembra do amor, dos quintais e dos balanços .


T: pois é tbem acho
S:... eu tb concordo plenamente,
T: q bom
S: porém vale ressaltar... que nas despedidas eventuais...
T: ham...
S: onde os caminhos se desfazem temporariamente.... fica sempre o cheiro bom do cabelo... e depois tb.
T: do cabelo, da pele dos pelos dos poros e dos sons, porque os sons que lembro de ti..são gostosos de sentir o cheiro
S: quando as coisas apertam aqui... lembro sempre de vc
T: quando as coisas folgam aqui tenho sempre você
S: é fato, lembranças são como orações de fé que eu tenho e rezo todo dia... essa é minha religião, é minha fé minha força.
T: é fardo, lembranças são como fé de orações que eu não tenho, mas que quero todo dia. essa é minha religião, buscar por uma fé que nem sei se já tenho mais.
S: de certo que esse emaranhado de sentimentos... seja a fé mais óbvia e mais simples... sentir... continuar sentido... para sentir mais... e sentir sempre.
T: nunca ser maior que o abismo.. porque todo sentir dói.. me encontro no inicio de uma escada, é fácil fácil cair. ou se deixar ir. rolar por degraus.
S: talvez na minha poemática, seria invertido, talvez eu estaria subindo as escadas...
T: eu estava descendo.
S: são amores... formas do mesmo...
T: sempre estou na verdade... é difícil eu subir escadas, descer dói menos. ...adoro cores!
S: o que vale é amor... talvez eu suba e suba e suba até lá encima... no fundo eu sei que lá no alto tem outra escada, ai subo subo subo .... até a outra, quando eu tiver que descer a coisa vai ficar difícil... muitos degraus... muito alto... espero que não tenha de descer... talvez esse seja meu medo...
T: não sei... não entendo muito bem de medos.. porque sinto quase todos
S: quando você tiver sua casa... lá naquela praia escolhida... quero estar perto...
T: você vai estar, como sempre esteve. ...quando eu morrer, posso te levar?
S: te amo. isso é fé. vou indo.
T: eu não... vou ficar, te esperando, aqui, sentada no mesmo lugar.
S: e te amo mais...
T: sem mover os pés.
S: até. ...quando as escadas forem muito grandes, com seus degraus pontiagudos... lembra do amor... dos quintais...
T: e dos balanços.
S: no mais, carinhos...
T: venha dar.
S: vou sim, em breve eu vou... é isso...
T: é sim
S: a mandinga é forte...
T: são flores. ...é sim é mandinga.
S: que seu dia seja alto nível.
T: o seu ano também!
S: a sua vida também,
T: sua morte também.
S: a nossa!

. tome um bocejo .

agora me deu sono...
já vou desistir facilmente de novo,
talvez dormir me faça bem...
me faça adormecer isso que empurra letras de dentro de mim.

. mais um universo .

. ele existe sim . onde cabe sua vaga inexistência . assim como tudo . assim como a vida . porque pra ele . é uma invenção gratuitamente dolorosa de se crer . por isso ele não acredita em mais nada . acha que a vida e a morte é um movimento só . nada é começo nem fim . nem ele começa . nem ele termina . em si mesmo . e em si mesmo . ele vai levando a fome de ser . a fome de ter . de ter o mundo dentro do estômago . e cabe . e sobra espaço . mas ele não acredita mais na fome . então parou . de comer o mundo . de comer a vida . e passou a comer a si mesmo . pelo estômago . de dentro pra fora . de onde se encontra existindo . e a fome era tanta . que o estômago começou a se corroer . a se devorar . e quando acabou estômago . comeu os intestinos . depois os rins . depois os pulmões . as peles . e tudo . tudo o que existe dentro dessa caixa vazia de si mesmo . e se devorou . por completo . e tudo o que ele existia coube dentro . e se condensou tanto em si mesmo . que a inexistência explodiu . no grande vácuo que é . viver . e estar morto . ao mesmo tempo : bum! .

. inspiração expiração : inspiração .

.

16 segundos

é o tempo
de minhas existências:

8 segundos de maré cheia
8 segundos de maré vazia

.

. marés .

o lado de lá
mais calmo
na sua ampla inexistência
mais concreto
na sua abstrata singularidade
mais sadio
como um corpo sem nada
nem mesmo o próprio corpo
próximo ao estar onde nunca se coube chegar
ausência de palavras

sonhos
são
o
que

de
mais
racional
em
mim

do lado de cá
existir em uma vaga inexistência
não dói muito alto
matar a vida
o conforto
é o que não cabe
dentro de si mesmo
ponto final

. cuidado .

. cuidado com o que acredita . e . engole . o silêncio . pela boca . e vomita . pelos olhos . e deixa escorrer . na pele . seca . do seco . que vem de dentro . pra fora . e grita . nos poros . e abafa . o medo . e vai . olhando pelos olhos . e ouvindo pelas mãos . e falando . com os pés . e . as vezes as coisas estão ao contrário . mesmo quando não existe o querer .

. de dentro pra fora de fora pra dentro .

. porque o dentro . é muito fundo . pra se querer entrar . mais fácil . assim . é ficar . no vazio . que é ser . da garganta pra fora . que é não estar . da pele pra dentro . nos vazos . no suco gástrico . ou qualquer lugar . onde se possa localizar . o dentro . de algo . qualquer coisa . que consiga ir no mais fundo de si mesmo . muito além da boca . muito além do cú . sem dor alguma . nem medo algum . e ser verdade . mergulhar . penetrar . sem sair . sem gozar . sem finalizar . e morar dentro . como quase ninguem faz .

. deixa pra lá .

. sinto as pessoas que não me pareciam bem . e me sinto como sendo alguém que gosta de gente triste . e isso é sempre . e isso é tanto . que penso que tudo o que me faz bem , me machuca um pouco . porque machuca mesmo . porque doer como algo que arde agudo me parece me colocar num lugar onde flutuo as pernas e me esqueço .

. entre quatro paredes .

. é como se as paredes me olhassem no fundo dos olhos atacando meus estômagos . elas vêm . começando por dentro de mim . por dentro dessa pele que tanto afirmo oca . por dentro dos poros sujos do mundo que guardo sem jeito aqui dentro de mim . por dentro de um intestino que não funciona no meu ritmo . nunca . abafar-se em paredes . entre quatro paredes não caber-se em si . o silêncio das paredes sufocam-me um grito seco . me estrangulam azulejos . vontade ranzinza de morte . onde a paz se apresenta estranha diante dos olhos . onde fincam os dentes a tentativa de comer tudo . e tudo .

. de vó pra neta .

- vó, o que é o tempo pra você?
- o tempo minha filha...?
eu sei lá... o tempo é o tempo.
- ...
- é aquilo que passa, as vezes manso, as vezes brabo...
- como o mar, né vó?
- é... como o mar...
- que nem maré...
- maré mansa, maré braba, maré cheia, maré vazia...
- é...
- eu sei lá... só sei que "eu" to passando, e a vida passa rápido que a gente nem vê, e quando eu me vejo, tô aqui sentada nessa janela vendo a vida passar também... que nem o tempo...
- que nem o tempo...

. auto-artesanato .

.

despedaçando-me
formo um novo artesanato
de mim mesma:

amputo-me de mim
e assim
me sinto na sobra de espaço
que não me deixo
ao me ver num encontro
de mim
comigo mesma:

dentro
de
mim
não
me
caibo:

por mais ou por menos
me sou dolorosamente
o que posso
de mais exacerbado
de mais ecleticamente apropriado:

uma arte sem rótulo
pintura sem tinta
pincéis sem cerdas
tinta sem óleo
estrutura sem argila:

palavra não inventada
sem sílaba
fonema inútil
infabricável:

grito mudo

aquilo que se enxerga
no escuro
de olhos fechados:

pele sem poros
carregando
como sempre
a fantasmática,
inocente sutileza,
de uma verdade vencida
e sempre repetitiva:

sempre:

a mesma coisa:

começada
com um ponto final
finalizada
antes mesmo de iniciar:

dogmatizada
como o sentimento na palavra:

onde o embaçado é nítido
onde o nítido se embaça
consigo mesmo:

letras adubadas por vento

não adianta falar

nunca será:

a mesma coisa:

nunca:

reticências

.

. mais uma de existir .

. O peso da vida não cabe na mochila . e tudo vaza em sua plena consciência de não ser resposta pra nada . e talvez, por isso . seja . e talvez por isso que entre . no fundo do buraco negro da pupila . no buraco fundo do estômago . do ouvido . dos poros . no fundo da pele, onde o mundo toca em mim . e eu toco o mundo . a poesia da vida se descobre assim . em cada silêncio abastecido de incertezas . que devoram a consistência inexata da vida . onde dói ser . onde não cabe o ser alguém . algo . qualquer coisa . porque dói acabar . como se a vida acabasse em cada palavra . em cada reflexo no espelho . o peso do vazio não cabe na boca . e o sentido das coisas silenciosas são levadas pelos vasos sanguíneos até a ultima ponta . até onde o mundo explode em si . onde as coisas no seu sentido mais desorganizado me compreendem . com a calma do mar quando me lambe . e sente o gosto amargo que carregam os poros solitários . dessa gastrite aguda . que se faz a fantasia da existência .

. p a l a v r a s .

. quando você começa a morder as palavras . e a enguli-las depois de degustadas . você percebe que todas elas tem o mesmo gosto . a mesma receita . o mesmo início e o mesmo fim . que todas elas tem o mesmo recheio . a mesma cobertura . e aprende a não entender mais as palavras . não em sua insignificante superficialidade . e aprende a ter dor de barriga por causa delas . a colocar o dedo na goela pra vomitar . e se livrar delas até seu ultimo ponto , até a última pontuação . e descobre que as vezes você fala . fala . fala . e que é por isso que ninguem te ouve . e te entende . e por isso mesmo você também já não escuta mais ninguém . e tudo se torna o mesmo movimento . o queixo se abre , a boca baba , a saliva sai , mas nada é dito , ou tudo é dito em palavras diferentes que querem dizer sempre a mesma coisa . sempre . palavras com gosto de nadezas . palavras com gosto de surprezas . palavra com gosto de estranhezas . palavra com gosto de medalhas . palavra com gosto de palavras . e o vômito são sempre letras soltas . u m a p o r u m a s e s o l t a d a b o c a . sempre .

. de filho pra pai .

.

_...mas, pai, qual a diferença dos bichos pro homem?
_a loucura meu filho...
_e por que todas as pessoas são loucas?
_porque, se não, elas não seriam pessoas...
_gente é como as estrelas no céu pai?
_não sei meu filho... nunca consegui pegar nelas...
_nas pessoas ou nas estrelas, pai?
_nas estrelas filho?
_e as estrelas são penduradas no céu pai?
_é, filho.. até onde eu sei...
_elas são presas em fio de seda ?
_não sei... acho que o fio mesmo não dá pra ver...
_ah... se eu subir bem muito até a lua... será que eu consigo pular e me segurar nelas?
_não sei filho... não sei.
_pai... você me leva um dia na lua?
_queria... mas não sei se vou poder...
_por que, pai?
_custaria muito caro meu filho...
_caro quanto?
_...
_ah pai... eu vendo meu carrinho de madeira que você me deu...
_... vai filho... lava o pé, lava...sua mãe ta esperando nóis em casa pro almoço...
_a gente pode vender nosso almoço e tentar comprar passagem pra lua?
_ não filho... se você não comer, você não vai conseguir chegar nem na metade do caminho... _...mas eu nem com fome... queria mesmo era pegar nas estrelas...
_...um dia... quem sabe hoje a noite.
_ hoje depois do jantar?
_é... depois de dormir também.
_pai... quero ir dormir logo...
_bora, menino... bora, que a graça não é ter estrelas não...
_mas..
_mas... nada! se você tivesse as estrelas você colocaria no canto do quarto que nem você fez com o carrinho de madeira, e sua pipa, e a bola,... aproveita enquanto você não tem e continua olhando com os “olhos de ver” o brilho que elas têm... bora!
_pai...
_quié menino?
_acho que não quero nunca crescer. . .

.

. inocência .

.

vai inocência...

vai,

e não esquece

de não morrer,

e lembra

que a gente morre,

quando se esquece

que inútil,

é buscar

saber

.

. passado e futuro .

. o presente: não cabe no tempo .

. profundidade .

. coisas que saem da garganta pra fora são dispensáveis .

. música .

.


silêncios
que escutam
o que o mundo quer dizer
com o cantar dos passarinhos:
...

.

...

. e se torna inevitável sentir . que enquanto algumas coisas se afastam . outras se aproximam . e na ausência do mundo . que essas coisas me trazem . outras tocam em mim . me presenteando a vida com o sabor da beleza do vazio . certas coisas que entram nos olhos . se agarram . aos poros . que a saudade carrega . e a solidão não tem rima . porque a solidão . não carrega nada nos vazos sanguíneos . o céu .vale mais que uma gota de sonho .

. nascer do pôr .

. céu parindo o sol . sol parindo o dia . ao nascer . o sol berra baixinho . e espanta os pássaros que correm . pro lado que amanhece sem tanta pressa . não o dia todo . mas todos os dias . sim . porque sim . porque sol . é isso . o grito dos pássaros dizendo bom dia . e o sol junto gritando . com os raios que tocam com o berro . que é nascer . por ter morrido . 12 horas de vida . 12 horas de morte . e ninguém vê .

. joão e maria .

.
- ei maria, olha o que eu achei!

- o que joão?

- tá aqui, procura entre os dedos...

- mas é tão pequeno, que nem dá pra ver...

- eu sei, é mentira. É só pra você pegar na minha mão.
.

.

.

o universo
cabe em
uma célula

e tem
certas coisas
que não
passam
pelo

e
s
ô
f
a
g
o

da
pia
.

14 de setembro de 2008

. que venham coisas boas... sempre .

. e na hora em que me sinto deslocada de mim mesma . minha pupila me desencaixa . é a hora em que me explode o riso em choro . o berro em riso . e se torna tão conturbado tentar me encontrar nesse descontexto de mim mesma . que o céu se faz roxo . e num mar amarelo entram mulheres banguelas que acenam para o céu . meninos com a cara enfiada na areia ao lado de amigos andorinhas . meninos com tiques nervosos . pessoas em roda de mãos dadas em reza . um homem que carrega seu ramo de flores vermelhas . berrando um desespero silencioso . mulheres gritando . meninos dançando com os punhos cortados . mulheres dançando funk . homens mijando ao meu lado . mijos meus . mijos seus . mijos nossos . homens mortos vomitando . amigos de infância me trazendo passados . conversas de blábláblá com quem o amor não se faz em palavras . risos que rasgavam a garganta e doíam a barriga em alguém que raramente me encontro . e na fome me entram no estômago o mal-humor de uma mulher trabalhadeira junto com o seu suor no suco . e no caminho de casa me encontro com o que fujo . e beijo a loucura . e abraço o louco . o espelho de todos . até de quem tem a loucura embaçada em si mesmo . saudades . lendas . lendas . e lendas . e no jogar o sabonete pra iemanjá o pedido se torna sempre o mesmo: que venham coisas boas... sempre .

. fluxo .

. sabe quando a flor pousa na borboleta? . e a borboleta deixa de ser borboleta . e a flor deixa de ser flor . e as duas passam a ser o movimento do pouso? . o movimento de ser uma coisa só? . quando as cores se misturam . quando a vida se resume no simples movimento de pousar no mundo . sendo o mundo . e só? . então... . é isso o que as borboletas me ensinam quando meu dedo pousa em suas cores . e minhas cores . que nunca foram minhas . se tornam o movimento das asas da borboleta . e minhas asas pousam em mim . que já não sou eu . mas a borboleta e eu . numa só cor . num só movimento . voar . voar . e voar .

. A mulherzinha .

Ela é toda bonitinha. Gostosa. Arrumadinha. Bem mulherzinha. Do jeito que eles gostam. Ela gosta quando é bajulada. Quando é adulada. Não suporta ser mal-tratada. Precisa ser olhada. Precisa ser olhada. Ai! Como ela precisa ser olhada! É preciso que acariciem seu ego, né mocinha? É preciso que todos a vejam como “A mulherzinha”. Ela grita em seus super decotes: _“Olha como meus peitinhos são do jeito que vocês querem, olha! Olha como meu traseiro é do jeitinho que eles mandam, olha! Olha minha barriguinha. Eu me preocupo muito com ela, sabia? Tanto, que me tornei meu próprio umbigo. Olha meu cabelo. Brilha como eu. Ah, me olha andando, olhando, falando, gritando... me olhem! Me olhem quando danço, quando canto, e quando passo rebolando em mim mesma”. Ela precisa estar no centro, ser o centro, se não, se descontrola. Ela “gosta” de todos, mas não se sente confortável quando “alguma” chega perto. Que perigo! Que perigo! Corre-se o risco de não estar no centro, de não ser o centro. Então ela apela, se desespera. Fica toda venenozinha. Ai! Como puxo o saco das outras menininhas: _”Mulher, como você é linda, mulher que saudade, como você ta sumida! Mulher... mulher...”, tão verdadeira essa pilantrinha. Ela é toda bonitinha, gostosa, arrumadinha, bem mulherzinha. Mas “mulherzinha” de mais. Tão “zinha” que parece uma criança. Uma menininha linda que papai criou como boneca pros garotos brincarem. Ai! Como ela adora quando eles “brincam” com ela. Ela foi feita pra isso. Pra ser mais um objeto do papai, dos garotos... Olha como ela é feita pra eles! Olhem! Olhem! OLHEM! Ela precisa ser olhada. É preciso que ela saiba o quanto se falam dela. Falem! Falem! Aplaudam. Mais uma bonequinha entre tantas bonequinhas do papai... Ela tem voz de mulherzinha, é boa de cama. Geme trepando, geme rindo, geme falando, geme fumando, bebendo, cheirando. Que perfume.! Cheirem bem a pele dela. Olha como ela é! Imagina se ela fede. Que linda. Que gracinha. A melhor das mulherzinhas. Êeee... Ai, olha que lindo o sorriso dela. Esperem! Esperem! Ela precisa beber mais um pouquinho... pra se sentir mais a vontade, pra ter mais facilidade. Olha como ela olha pro mundo pra ver se o mundo olha pra ela. Olha! Vai, mulherzinha. Grita mais um pouquinho. Compete, compete, que você ganha. Ganha tudo. Ganha todos. Algumas você também ganha. Não, não! Não vai sem maquiagem. Imagina ser o que se é! Deve ser doloroso de mais ser um pouco menos do que se imagina! Disfarça. Põe um quilo de pó na espinha. Tem que ter a pele lisa pra poder ser bonitinha. Vai! Coloca o enchimento e a sainha. Vai! Levanta o peitinho pra eles. Eles gostam é das gostosinhas. Vai! Vai! Que gracinha. A melhor. A melhor. “A” mulher. Ai! Ai! Não fala agora não! É tanta merda que sai dessa boquinha. Boquinha carnuda, rosada, molhada, rosinha. Linda! Do jeito que eles gostam, né? Mas eles pedem pra ela abrir a boca quando não é pra falar não é, bonequinha? Ah mas tudo bem, a bonequinha do papai gosta. Bem na boquinha, vai vai... bem na boquinha. Fala mulherzinha, agora fala! Ela adora abrir a boca pra falar do que não é dela. Do que não é ela. Fala! Fala das outras, mulherzinha. Fala! Mas ela é tão baixinha, que se resume ao seu tamanho. Mas o que é que tem ela falar merdinha? Coisas tão pequenas como ela? Fica caladinha, fica, mulherzinha! E ao chegar em casa não esquece de tirar a maquiagem. Estraga a pele, sabia? Não esquece de avisar às suas outras amiguinhas... Aliás, não! Não avise não. Imagina elas terem a pele melhor que a sua? Deixa! Só tira a sua. Limpa bem os poros. Mas não pra você mesma. Afinal você já está cansada de se olhar no espelho! Tem que mostrar pros outros. Têm que mostrar! Que graça vai ter, né? Você não vive pros outros? Nos outros? Às vezes até em cima deles? Passa por cima pra ficar por cima? Vai lá mulherzinha, vai com sua vidinha. Tão vazia, né gracinha? Amanhã é outro dia, dorme bem, bem bonitinha... vai que tem alguém olhando, né? Olhem! Na passarela, lá vai a mulherzinha. Todo dia. To-do-dia... tão ela mesma! Tão repetitiva, tão cansativa. Mas é uma graça essa tal de mulherzinha. Olha! Olha como ela é feliz com suas “amiguinhas”. Quem é a melhor delas? Você, né, mulherzinha? Hoje ela não quer sair de casa.. Não está tão bonitinha! É o espelho mulherzinha, é o espelho... com defeito! É claro que você é sempre uma gracinha. Já ganhou medalha hoje? Isso! Isso! É assim que se faz... e lá vai ela..Bem programadinha. Toda obediente. Bem certinha. Simetricamente perfeitinha. Ai que linda! Ai que linda! A melhor das menininhas! Ai que show de mulherzinha. tão sozinha, tão sozinha... tão sozinha A mulherzinha...

. mar-morto .

. é como cortar o bucho e derramar as tripas em sonhos . porque morrer dói pra quem não morre . mas pra quem fica . vivo . vagando . com o vazio de não poder entender o tempo . me diz como é ser deramado no mar? . me diz porque a vida ou a morte leva o que não pode ficar? . pra deixar aqui dentro o vazio de uma saudade que não se pode matar? . é como comer os restos . de sonhos famintos . exatamente por aquilo que não se pode fazer voltar . amanhecer e entardecer em você . que a onda do mar que me bebe . me leve . de mim . até onde você possa estar .

. quando .

. eis quando na fome . come-se o tempo . come-se o dia . as saudades em cheiros . as palavras vazias . eis quando nas ruas . a solidão se desconfia . e em ruas de silêncios . o vício da loucura acaricia . eis quando o grito . não se cabe na voz . e na barriga vazia . procura-te a ti mesmo . enquanto o choro preso anestesia . o que somos todos nós . eis quando o abraço . em mais de tantos braços . já não cabe na pupila . e o mundo entra pelos olhos . e a pele se destila . eis que a solidão do louco . somos todos juntos . berrando como mudos . berros que não cabem no ouvido . eis que a pele vai além dos poros . é quando a rima é impalavreável .

. de quando em quando .

. quando o invisível se torna nítido . quando o nítido embaça os olhos . quando a estrada é desenhada em cores . quando cores tem cheiro de flores . quando flores entardecem o dia . quando o dia anoitece o tempo . quando o tempo afugenta os números . quando os números se tornam ondas . quando ondas se tornam arco-íris . quando arco-íris se torna águas . quando água se torna fogo . quando fogo se tona terra . quando terra se torna ar . quando ar se tornam asas . e nos mundos que se encontram o que é permitido é voar . voar . voar como pombinha .

. ensaio sobre a cegueira .

. e no olho que não enxergo . te faço lar . porque aquilo que não vejo . é exatamente o que quero enxergar . no olho onde se embaça o mundo . te faço por mim olhar . com o zelo de tocar o mundo . com olho de desembaçar . se no meu olho esquerdo você morasse . com seus dois olhos ia enxergar . tatear o mundo com jeito de cores . lente de pupila o mundo abraçar .

. sem êra nem bêra .

. é como se no barulho que se faz o silêncio da natureza . os dedos procurassem a textura da lã . a respiração ficasse preguiçosa . as nuvens fizessem círculos gigantes no céu . a lua andasse com suas pernas invisíveis . os pássaros voassem com asas barulhentas . a vida passasse rápido com tempo de ponteiros . e beijando a noite de olhos fechados . o sol viesse manciiinho . preguiçoso . colorindo nuvens . azulando o teto que segura as estrelas com fios de seda . então elas se apagariam . pros olhos . que fechados . descançariam as palavras abraçadas em travesseiros . morando em abraços seguros . bla-bla-blasiando . tenha um bom dia inteiro .

. brincadeira de adulto .

. vamo brincar de virar bicho do mato? morar em cima de uma árvore . na pedra de uma montanha . numa barraquinha de palha . e brincar com os bichos o dia inteiro . começar a entender o que querem dizer os pássaros . os lagartos . as rãs . as nuvens . fazer carinho na grama . plantar o que se come . cenoura . tomate . alface . maçãs . melancias . uvas e abacaxis . e tantas coisas mais pra se aprender a fazer . vamo brincar de voltar a ser a natureza? deixar de ser menos concreto . menos cinza . pra voltar a ser verde . pra voltar a saber como pular de galho em galho? vamo parar de se proteger tanto da natureza e acabar acreditando que a gente não faz mais parte dela? vamo brincar de começar o mundo de novo? fazer das coisas que não são o homem, só porque ele não inventa, menos descartáveis? ainda quero que meus filhos brinquem de gangôrra numa árvore gigante . será que ainda dá tempo de começar tudo de novo? vamo brincar disso . vamo?.

. estradas .

.as vezes . acho que as coisas . quando querem seguir seu rumo . não têm pretensão alguma de ser entendidas . o que eu sinto aqui . dentro dessa minha pele . que guarda teu cheiro . em cada milímetro de poro . é que minha estrada se cruza com a sua . não sei em que lugar . nem em que tempo . nem em que condição . nem em que circunstância . não sei de nada . mas sei que numa dessas curvas . eu caio exatamente no seu braço . e você . me carrega junto contigo . pra lugares que não se fazem de estrada . parece que sua estrada . não é do mesmo tamanho que a minha . que ela se desgruda em curvas . que me fazem te perder de vista . mas logo depois do fim da curva . te vejo caminhar com seus pés na estrada ao lado . e percebo que minha estrada . não tem que ser a sua . nem a sua a minha . que não devemos ter a mesma estrada . nem andar na mesma linha . que a gente tem que se encontrar . onde a curva deixar a gente se levar . mas, quem desenha a estrada somos nós . então . a gente pode escolher . em que curva . um . vai acariciar o outro com seus sonhos . então a gente vai juntando as curvas um do outro . e tocando um no outro . no que vai além das curvas . no que vai além de estradas . desenho uma estrada nova pra mim todos os dias . e cada passo que me levo . vai ao seu encontro . ao encontro de uma curva da sua estrada . que também se desaba às vezes na minha . construir estradas juntos é estranho . é como tentar se conhecer . cavar cavar cavar cavar . pra nunca se chegar ao fundo . porque o que “somos” . não se encontra no fundo . nem no raso . talvez nem se encontre . porque a cada dia que se tenta cavar o buraco . a pá já não é a mesma . e quem segura a pá então... .

. no centro das bolinhas coloridas de ar .

. tem coisas que são indizíveis mesmo né? tem coisas que são indivizíveis . tem coisas que são infotografáveis . tem coisas que são lindas . que nem fazer planos na praia . de ser pescador . de ser qualquer coisa que seja tão concreto como um sonho . tem coisas que são coloridas: dá pra ver o arco-íris em bolhas de ar . algumas pessoas tem medo de espuma . algumas pessoas falam de caleidoscópio . algumas pessoas são mágicas . tem coisas que parecem que não param de se encontrar . tem coisas que são uma coisa só . tem coisas que ninguém sabe explicar . como essa felicidade explodindo aqui dentro . como falar de fogo . terra . água . e ar . e dançar na beira da praia cantando pra lua ouvir . e ser assim . dono de uma alegria que ninguém pode tirar . ai oxum . ai jah . as fadas estão voando por aí . dentro dos olhos . dentro das cores . dentro do mundo . no centro de tudo . no centro de uma simples bolhinha colorida de ar .

. rima besta .

. eu não sei rimar nenhuma palavra . não sou de explicar sentimento algum . sem filosofar sobre o tudo e o nada . eu sou só mais um . eu só sou mais um . não sei entender qualquer diferença . eu só sei da crença . que sei carregar . eu só sei dançar bem desafinada . não me encontro em nada. não encontro nada . não sei definir tristeza nenhuma . mas eu sinto todas e de qualquer um . e vagando, vou divagando o mundo . e como todo mundo sem saber... eu sou .

. mais um bláblablá .

. tantas palavras inventadas algumas tão repetidas e outras tão inusadas outras tão vomitadas outras tão guardadas umas tão úteis todas tão inúteis umas tão cantadas outras tão tocadas umas que não significam nada e outras que não significam nada e elas continuam sendo inventadas e esquecidas e usadas e tão inutilizáveis dadas e outras roubadas ouvidas e acarinhadas chega ser algo inoficupemestizável palavrear sobre palavras porque palavras palavras palavras palavras palavras palavras palavras palavras e são só palavras que não dizem nada .

. no aeroporto... .

. mil tempos de espera . e o tempo não vem . me deito em ponteiros . sonhando canteiros que ninguém têm . flores de primavera . cores de primavera . quem dera estar . aonde cheguei . quem dera voltar . pra onde eu não sei .

. música pra boi dormir .

A vida inteira sempre fui demora
E as coisas belas já não deixo ir
Não me convenças de não ir embora
Se no meu peito o que guardo é a vontade de partir
Não me procures logo agora
Que não me ardes mais amor por ti
não tem mais uma saudade que devora
nem um passado nosso vivo aqui
não diga nada sobre estar tão triste
pois em meu riso a vida agora existe
dentro do peito secaram as lágrimas
e meus olhos já não seguem mais a ti
sem me cruzar com as curvas de sua história
deixo passar agora a sua estrada...
ainda vive sim em minha memória
mas minha pele é outro cheiro que ela guarda
em meu silêncio já não grita mais o seu
em tua ausência já não me cala a ilusão
guardo comigo uma palavra que doeu
e o que tenho não é mais sua solidão

. da infância .

. eu não sei . eu me perdi na estrada . eu me perdi nas curvas . e hoje eu não sei . eu não sei . voltar de onde vim . perdi tudo tudo o que eu tinha . não sei dizer se sou . aquilo que eu deixei . eu não sei . eu não sei . não sei dizer se vinha . aquela brisa fresca . que eu tinha a tardinha . nos balanços da maior árvore do quintal . maior árvore do quintal . maior árvore que eu tinha . não sei dizer se é minha . brinquei . brinquei . e hoje aqui sozinha . não sei dizer se é mais . melhor de bom . parar . ficar . parado aqui na minha . eu não sei . eu nao sei . eu não sei... .

. saída de emergência .

. torcer as palavras . quebrá-las ao meio . cortá-las em tripas . que é pra dar recheio. que gosto teriam as palavras em seus poros visíveis e táteis ? palavras têm cheiro de vidro ? que cor teria a fumaça das palavras com o incendeio de seus cacos ? palavras com gozo de sexo . palavras são sonhos sem nexo . palavras concretas . palavras discretas . palavras com vida . letras enquadradas p r e s a s s e m s a í d a . palavras criadas . palavras sentidas . palavras que somem . palavras não ditas . palavras quebradas . caladas aflitas . palavras pensadas . p a l a v r a s m a l d i t a s . palavras que dançam . que soam que gritam . palavras distantes . tão frágeis que habitam . palavras de rochas . de pedras . de britas . palavras que morrem . de tão r e p e t i d a s . ... . letras de p a v i l c u r t o . palavras vindas num surto . palavras humanas . que inventam a loucura . palavras insanas : remédio ? sem cura !

. diálogo entre um pássaro e um homem .

B.T.V: _ “Bem-te-vi! Bem-te-vi!”

S.J.: _ Bom dia passarinho!

B:_ Olá Seu João! - olha o sol - já é dia – vai-se a noite – outro dia? – bem-te-vi! bem-te-vi!

SJ:_ É sim Bem te vi! Olha as cores, olha as nuvens. Em silêncio escuta o mundo Bem te vi?

B: _ Olha o vento – é o sol – é o grito – em movimento – vem chegando – vem de longe – vem na pele – bem-te-vi-! bem-te-vi!

S.J:_ Olha o galo! Olha as luzes se apagando! É o sol? olha o sol! olha o sol Bem te vi!

B: _ Olha a fome – come o sono – abre as asas – voa longe – fecha os olhos – vê o mundo – como é grande – como é longe – bem-te-vi! Bem-te-vi!

S.J: _ Já vou indo! Tenho pressa! É o mundo, esse mundo, que é seu, que é meu, que é nosso, Bem te vi!

B: _ Seus sentidos – são o mundo? – estás cego? – olha o mundo – ele é grande! – ele é mais - que seus olhos – fica quieto – tenhas calma – mate o tempo – sem demora – olha o mundo – e agora? – bem-te-vi! Bem-te-vi! Bem-te-vi! Bem-te-vi!

S.J: _Com que tempo Bem te vi?

B: _ Nada sabes! – Tu és burro? Esse tempo – esse mundo – é seu lamento – bem-te-vi! Bem-te-vi!

S.J: _ Se eu pudesse! Se eu soubesse, ao nascer pra esse mundo, não teria preferido eu ser homem, Bem te vi! Mas não pude como tu, dar-me asas para o mundo, dar-me olhos que vão longe, para o que te traz tão certo de viver aqui no mundo como tu, um Bem te vi!

B: _ Tenho pena eu de ti? - Se és tu que inventa o tempo – se és tu que inventa um mundo – onde cortam-te as asas – onde cegam-te teus olhos para a vida – para o mundo? Esse mundo – não é meu – não é seu – e se nosso vê se aprende a ouvir o mundo! Bem-te-vi!bem-te-vi!

S.J:_ Mas no mundo que inventei fiz-me surdo, Bem te vi! O que escuto vem de dentro, e talvez esse meu vício já é mais que meu sustento, e por isso quero o mundo Bem te vi! Se eu pudesse, se eu soubesse, se eu quisesse ter o mundo, se eu soubesse ser o mundo, aí eu estava, ao seu lado, Bem te vi!

B:_ Se não sabes ser o mundo – deixa quieto – vai-se quieto – e deixa o mundo – e deixa a vida – pra quem se ocupa em sabê-la – em escutar o que ela diz – fez-se surdo - mas não mudo – tu és burro!- tu és burro!- Pois escutas apenas o que é de ti! – Que assim seja, então, um cego! – esquece o mundo – olha pra si – já que achas que podes saber... – nada sabes! Nada sabes! – pois enxergas é com olhos de quem acha que por não ter asas – não vê o que vai além de si – bem-te-vi! bem-te-vi! bem-te-vi! bem-te-vi!

. felicidade tira o ar .

. é muito . é muito ar pra caber nos pulmões . é quase que aquele desmaio que não acontece . é que nem o sol nascer cor de rosa-choque . é que nem o ouvido quando já não escuta a música mas ainda põe o corpo a dançar . quando já não se discerne mais palavra alguma . e o corpo balança . e ainda balança . e continua a balançar . e o sorriso não cresce porque já está lá . é só o que o corpo diz . então sai um sorriso . sai um choro . sai um abraço . vem a saudade . e os pés nas ondas do mar dançando música que passarinho faz . quando nasce o sol . e a lua ainda está lá . ah sei lá . é como se tudo fosse assim: esse movimento de se fazer exato . de se fazer tão chato e explicativo em suas meras suposições . é sempre o mesmo blábláblá . e é aqui e aculá . explodir a vida no pulmão . felicidade tira o ar .

. casa do amor .

. casa do amor é o corpo todo . e não só o coração . é seguir sem os pés meu amor . sem caminho traçado . deixar ir... . deixar fluir... . deixar ser . com verdade . sem vaidade . sem medo de perder . porque em momento algum . nada se tem . nada é de alguém . sem razão pra diminuir . porque amor é o que a gente acredita . e por isso não pode ser um só . e por isso não pode ser só um . amor não é solitário . nem totalitário . amor é involuntário . amor é como se diz: amar é querer bem . e não querer alguém . amar é ilimitado . é ter zelo . é ter cuidado . sentido indefinido . amar não é verbo . por que amar é voar de olhos fechados . e em todas as direções . é ser sem definições . e querer querer . e querer mais . porque amor não começa aqui . amor não termina aí . amor não se limita ao pouco que podemos ser . e amor não quer pensar em nada, não . porque amor foi feito pra sentir . inventado pra multiplicar e não pra se guardar em si . não pra se prender . porque amor foi feito pra se deixar ser . sem ser assim assado . de um jeito mal acabado . porque amor não foi feito pra nada definir . amor é assim . de se dividir em partes e ser tudo em uma coisa só . é ir rumo ao nada que o tudo pode ser . é ir rumo às cores . ir rumo a mim e a você . mas sem destino predestinado . porque amor capota em curvas . amor bate de frente com o que não quer ter .

. lá... na serra do mocó .

. lá, no alto daquela serra . onde o caminho é feito de subida e pedra . feito de seca, calor e cansaço . feito de cercas . de bichos criados, prontos pra serem comidos . comprados . lá, onde o que sobrevive é uma felicidade fatalmente simples . uma vida retomada por silêncios . onde o que se escuta ainda, é o urubu contente em avistar sua carniça . onde o casal é feito pra casar . lá onde o bonito é a cor do tempo pintando de branco os cabelos de quem a vida anda deixando passar . lá . bem no alto . onde o que toca no céu é uma alegria desbocada . alegria de se dizer sem meias palavras . o que se sente . o que se pensa . o que se soube . o que se viu . lá . naquele caminho onde até as flores dão bom-dia . boa-noite . com suas cores em formato de pétalas . onde na escassez da chuva e no chão de poeira seca a vida nasce e permanece até em formato de flores . lá na casa de dona maria . lá, na casa de seu josé . onde o amor também é feito de briga, outra maneira, assim, de se tocar . de ter acesso a quem se vive ao lado por tanto tempo . e onde o próprio tempo se encarrega de acomodar . lá, onde o sorriso sem dentes vem de dentro com a vida traçando as rugas, e abre espaço pra ver o mundo chegar . lá. onde o que vive "sobrevéve" . lá onde as "tatulagens" da pele são rugas da enxada e do tempo . lá onde a água é rara e o céu imenso . lá onde o sonho é do tamanho do que pede realmente o corpo: a vida . lá, onde o que se deseja é não precisar de tantas pedras no meio da estrada . onde a vida é assim... onde a crença da seiva que escorre a vida ainda é maior que o homem . maior que o menino feio que não mostra o rosto de homem por conta do cabelo grande . lá, onde na inocência de verdades, homens e mulheres vivem devendo o pagamento de seus pecados (pecados?) . lá, onde a palavra errada existe é no dicionário . lá... bem lá, entende? bem longe... do mundo todo . onde o que existe a cima de tudo é a verdade . assim sutil . assim . do jeito que ninguém mais sabe .

. ham? .

. incontestavelmente . eu prefiro a loucura . que em sua plena ressonância . batendo forte no peito . grita palavras que rasgam o corpo ao meio . e que fazem as tripas escapulirem do corpo. indo de encontro ao chão ... eu prefiro o caos . que em seu pleno benefício à vida . traz um muro em frente a minha cara e me faz cair de queixo não chão ... eu prefiro a dúvida . que em sua plena palpitância . me entrega ao meio em meio a esse caos ... eu prefiro indevidamente e definitivamente as interrogações . esse movimento de vida sem cronologia que me faz perder-me de mim no tempo . que me faz quebrar-me os ponteiros de dentro . e ir sempre de encontro com o que o mundo traz ... eu nasci pra ser contra tudo . eu nasci pra ser contra todos que em sua constância traz a inexata e fidedigna certeza de si mesmo quebrando a própria cara se contradizendo no final ... eu nasci pra sentir a vida pulsando no corpo . pra sentir o desconforto de não ter os pés no chão . de ter cada vez mais certeza de que nada quero afirmar no final ... eu nasci pra não saber se estou vivo . se estou indo . se estou vindo . só sei que essa dor que explode no peito . é por não saber o que se mostra rudemente real . é por não ter como segurar o tempo nas mãos . é por não poder entender a vida como aquilo que vai com a pele todo dia como poros que morrem nesse tempo irreal . é por nada . simplesmente por nada que dói o mundo que carrego nas costas . nos ombros . nos olhos . na boca . nos pés . nas palavras . é por nada que dói a dor que não tem por que doer e dói . é por ser vício essa dor que me prende com força os dentes na hora de dormir . e os sonhos nunca são os mesmos . e os sonhos sempre serão os mesmos . e os sonhos serão sempre as pálpebras e os cílios fechados guardando nos olhos o que não se distingue . o que não se sabe como mundo . como isso . como aquilo . é por isso . e só por isso que eu prefiro a loucura . que em sua plena consistência insiste em assistir a vida como algo que existe . e só . por que dela nada se precisa saber . por que dela nada se pode saber . e não há empirismo nenhum que traga uma certeza absoluta sobre nada . e não há certeza alguma que não seja mera suposição . me desculpe . mas não acredito na ciência e em nenhuma religião . e há quem diga que meu ceticismo se confirme nessa afirmação . mas calorosamente vou contra isso . levemente me afirmo contra ao próprio ceticismo . ao belo e fabuloso ateísmo . por que não quero aqui afirmar o que não existe a partir do que existo . de como existo . não quero afirmar com tanta certeza a partir do que acredito . porque acreditar em tudo e em nada ao mesmo tempo dói mais . e é nessa dor que faço o percurso dessa existência que não entendo . que não desvendo . mas que prefiro divertidamente mais . porque nesse ritmo a dança se faz . porque nessa dança me expando mais . não saber parece que me cresce .

13 de setembro de 2008

. nitidez da palavra .

Às vezes, falta a palavra nítida em sua função de palavra.
E assim as coisas se tornam soltas.
Se tornam livres.
Sem sentido de coisa.
Sem sentido de ser coisa nenhuma.
Apenas se tornam leves flutuando no vento.
Num vento que não tem perfume quando falta a poesia.
Quando falta a rima,
Quando as palavras faltam.
E morrem na boca sem terem sido mastigadas pelos dentes.
Sem terem sido lambidas pala língua.
Sem terem tido tempo de serem letras de mãos dadas.
Então,
resta o silêncio,
Não o silêncio como ausência de palavras.
Mas um silêncio com a ausência de si mesmo.
Um silêncio vazio
Vago
Raso
Sem nitidez de silêncio.
Silêncio é quando o estômago come as palavras e esquece de vomitá-las.
Quando não saem pela boca,
saem pela pele,
pelos poros,
pelos olhos,
pelo berro que empaca na garganta...
E são carregadas pelo silêncio do outro mantido em função de silêncio.
Silêncio nenhum é igual.
Mas cada vez mais, as palavras se tornam mais idênticas à palavras.
Não adianta mudar as letras, elas continuam sendo palavras.
Palavra não quer dizer nada.
Quem diz mesmo é a boca.
A boca da cara com a boca do estômago.
Porque a dor de palavras sem sentido mora no estômago.
Bem no meio do corpo.
Onde as coisas se processam.
Onde as coisas são digeridas.
Palavras,
têm nitidez de comida,

.

12 de setembro de 2008

. poesia.

. a "eficácia do incompleto": uma sobriedade embriagada de ilusões . sentido paradoxalmente intraduzível . a tradução da tradição do descontínuo . na palma das mãos . é quando a poesia se cansa dela mesma . como quando o escarro . no papel vazio . rima com o expurgo dos pulmões . gritar a dor aguda no reto . restos presos de rimas . feitas em vão . poesia é “lamber o cu do mundo” . arrancar-se pelo cu . como um vômito . vazio de intenções . duelo . entre a arte e um cansaço vazio . entre . rimas feitas . entre . aquilo que não rima . rima é aquilo que faz da privada lugar de merda .

. vamos ao shopping? .

. e a vida facilmente torna-se objeto . obsoleto . como qualquer rima . levemente inútil e descartável . como qualquer tese . qualquer teoria . qualquer “coisa” . frágil . como qualquer palavra . delicada como qualquer crença . dócil . e legalmente perversa . ... . o desaparecimento de qualquer vestígio . de qualquer tormento . está sempre em promoção nas prateleiras . muito bem organizadas . em movimento estático: onde crer é uma vertigem: onde os sentidos e suas alucinações indolores vão à procura de qualquer objeto . vida enlatada em quilos de inconsistência . pronta pra ser “escolhida” . embalada em símbolos constituídos de atores . onde cada papel é designado à um único e especial “estilo”. ... e o que fizeram com o corpo? . e o que fizemos da vida? são tantos na prateleira os s e n t i d o s dessa vaga insistência... . no corpo em que nos encontramos escondidos são poucos: lembro-me tato, visão, audição, olfato, paladar e outros que tão “inusados” como estes: só não conseguem comprar o s e n t i d o da v i d a .

. Dona Maria .

.

Dona Maria, 66 anos de idade e de vida bem vivida em cada gesto cansado e em cada sorriso. Rugas em todo corpo, negro, pintado de cores, de poeiras, de cabelos disfarçados com suas raízes brancas crescendo... sentada na calçada, chupando um pirulito rosa, na espera do neto que não volta pra conseguir ir embora daqui que não é o seu lugar... ela gosta mesmo é da sua terra Juazeiro do Norte, onde ela encontra na fartura de coisas que come de graça, plantadas na sua roça onde deixou dois maridos, a simplicidade do que é viver...
O primeiro marido saiu e não voltou mais. O segundo, ela conta que morreu porque de manhã comeu “quaiada” e a noite se atreveu com cachaça. Agora sem ele, ela diz que não tem muito quase nada... agora, ela não está mais assim tão boa de vida. Diz que se tivesse pai e mãe tava era lá com eles em casa. Porque lá ela tem três casas, e daqui ela não gosta porque até água ela tem que pagar pra ter:
- “Até água, né minha fia?”.
..Falando dos contratempos do tempo e da sujeira do mar, ela abraça um sorriso ante uma gargalhada quando surpreendida por uma pergunta tão clichê quanto chupar um pirulito na sombra da árvore de uma praça:
- “E da vida, Dona Maria, a senhora acha o quê?
- “Da vida minha fia?
HaHaHaHaHaHaHaHaHahahahahah
... da vida...
eu só acho graça!”


(Alcobaça, 1º de Janeiro de 2006)

.

. grito .

. é como se a insistência . numa suposta inutilidade da palavra expressa . se mostrasse contraditória . ... . porque na hora em que o silêncio explode . tudo . vai à procura de qualquer palavra . qualquer coisa que saia . de dentro . que na oquidão do mundo se perca . na busca do próprio sentido . ... . é como não saber se equilibrar nas próprias pernas.

. ai a saudade .

.

: no vácuo
: na pele
: no sangue
: no pensamento

:a saudade
:arde

.

. órgãos sem corpo .

.

prender-se

ao

vácuo

inconsistente

do

que

não

se

decifra

...perder-se

permitir-se

admitir-se

em

tais

imprecisões...

.

. palavras esquizofrênicas .

. palavras de vício forte . sem terra . atravessa sul . atravessa norte . palavras de bucho cheio . saem como vômito . caem como murro . fazem seus recheios . palavras de saudades tortas . de zelo e vento fortes . de coisas ternas . e distancias mortas . palavra que diz tudo . palavra que nada sabe . palavra é o mundo. sentado... em cima do muro. balançando as pernas. acarinhando ouvidos . larvas de língua . que engolem suas gramáticas . palavra de espírito vivo . de almas penadas . com medo de seus próprios fantasmas: palavra de gente . palavras não articuladas. difusas . inúteis de si : e em si : quebradas. sem contextos . desconexas . desconectadas . presas em seus manicômios . em que se fazem . e se desfazem . em suas cabeças . cabeça: manicômio dos pensamentos : cabeça . manicômio dos pensamentos : cabeça: manicômio dos pensamentos . pensamento é feito de palavras que se debatem em muros simbólicos em que se fazem os crânios . palavras se refletem em espelhos quebrados : a . palavra . é. sempre . a mesma .

. pela fechadura .

.

sai
a
palavra

torta

da
boca

morta

como
se
fosse

porta

.

. você .

Pra saber... o que me resta são manhãs de orvalhos.
pra entender... você presente em meus sonhos diários.
pra rimar... seu tempo não rima com o meu, e das janelas que você me deu,
o que me aconteceu: foi me encantar... com sua ausência.
tem dias que você não vem...
há dias que você me tem:
... e nada!
pra dizer...é como aquela flor que não se abriu.
só porque...os seus canteiros quem regou fui eu...
pra você...me entrego aqui em forma de canção
que é pra dormir nesse abraço bom...
e te esperar...
entrando por minhas janelas...
em noites que meu sonhos são
(e mesmo que isso seja em vão):
...você!

. sonambulo sono .

. falta . a busca constante de um movimento . sobra . a sobra estática do corpo . acostumado com nada . falta . a falta de tédio . sobra a preguiça . de espreguiçar-se sobre o próprio corpo . é como se o corpo levantasse da cama : ainda que sem acordar . os sentidos ficam presos a sentirem-se acomodados . falta . a inspiração pra fazer ter qualquer sentido o que menos tem sentido na vida : a própria vida . porque não basta respirar . encher os pulmões de nada é não ter o que tirar .

. monólogos da solidão .

Nessa tarde a solidão, bateu em minha porta... E eu atendi. Como quem não se importa, lhe servi das melhores coisas que inventei. Sentada e a falar, olhando pra mim, me perguntou:
_"Por que me deixou entrar?"
Sem palavra alguma eu respondi:
_"Ando preferindo a solidão, ando me cansando não entender mais ninguém, ter que ser alguém, sem saber se sou. Ter que me fazer assim, coerente e crente de mim, sem poder cometer pecados que não são meus. E esses erros seus: Há ferida aberta."
Indo embora me falou... que sozinha nunca está, está sempre a procurar quem a deixa entrar, qualquer porta aberta...
na palavra incerta...
ela vai ficar.

. janelas .

. abriram-se as janelas do mundo: o que se vê são ruas sem passos . olhos sem fundo . cortinas sem cores . fechando lacunas . engolindo os espaços . na parede: pintado o reflexo: de suas grades . da sua prisão colorida . quatro paredes . cinco . doze . janelas de palavras . janelas sem fechaduras . janelas que se abrem pra dentro . janelas que se fecham pra fora . janelas . janelas da alma . janelas do corpo . das percepções . janelas que se abrem pro invisível . janelas de mundo sensível . janelas que se abrem com as mãos . janelas de sonhos . na sua janela: a sua “vontade de ser porta” . e de ser porta aberta . de ser ponte pra rua . pro espaço vazio das ruas sem passos . pro espaço vazio . de pessoas vazias . e vagas . vagando em suas ruas . como suas escadas . vagando em si mesmas . de olhos fechados . de bocas abertas . todas . com seus espaços internos tão conturbados . todas . com suas janelas quebradas e de frágeis acessos . e algumas: sem janelas . e você com tantas delas . abrindo variados espaços . possibilidade pra milhões de pontes . pra milhões de sonhos . pro conhecido desconhecimento de si mesmo . janela de poesia sem rimas . dois passarinhos cantando em sua gaiola . e de porta aberta . na sensação confortável de estarem presos em si mesmos . de não quererem voar . pra onde não tenham . como não enjaular-se . prisão perpétua voluntária . prisão diária . aberta . embriagada . afogada em cores que pincéis não pintam . eis que portas se abrem no abrir de suas janelas ,

. pra tom, arnaldo e manu .

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Cada gota de chuva é um pedaço de nuvem que cai no chão. É um arco de cores, um pingo de tons que se faz canção, Que descansa a poeira do dia, Faz do rio uma rua alagada, E a janela do quarto fechada, Cega os olhos desertos de flores... E os jardins tão opacos de dores: São os seus guarda-chuvas Desabrochando pra solidão. Cada passo escondido dos pingos de chuva desfaz canções. São as rimas de dores e lágrimas cinzas de um coração, Que abafa o vento do mundo, Faz do riso o descaso de tudo, E o medo do medo profundo, É o contrário de flores regadas... Mas um muro de portas fechadas E de passos incertos trilhando uma dança em suas prisões... cada gota de chuva é um pedaço de nuvem que cai no chão, Cada gota de chuva é um pedaço de nuvem que cai no chão

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