8 de julho de 2011

. o tédio dela... .


Não espere que essa história tenha fim. Ela termina antes mesmo de começar. Eu só quero falar a alguém a resposta que nunca pude dar a ela porque não deu tempo. E pesaria muito pra mim, carregar isso sozinho, assim. Descabido sem isso tudo caber-me sem me torturar. Vou falar um pouco dela e depois te mostro a carta que ela me enviou antes de... antes de morrer. Diz ter sido assassinada pelo tédio, mas eu duvido muito que ela não tenha se jogado nos braços dele e voluntariamente seduzindo-o, pediu que fizesse e devagar...
Que era mulher e louca todos já sabiam, ás vezes, insensata, ás vezes sincera demais. Que era transparente todos já diziam, mas, que fazia tipo de guardar mistérios... isso não tinha como esconder.
Ela queria escrever com todas as palavras. Principalmente com as inúteis, mais precisamente, com aquelas que acabara de inventar. Não tinha muita tolerância como antigamente pra futilidades, humanidades. Que fosse como fosse, bastava que fosse com a força das vísceras. Bastava que fosse com verdade.
Que o dia-a-dia acomodava as entranhas, já sabia. Que se acomodar no passar dos dias deixava a vida apática, ela tinha medo, mas custou a admitir e a acreditar: dormir de mais acostuma o corpo, e o corpo acostumado com cama faz da vida um retrato embaçado com textura de sonho que não se lembra pra contar.
Que queria tudo de vez, isso também era claro, e era seu modo de querer estar no mundo, de achar que fazia sentido... sabe-se lá. Dizia pra si que é tão melhor quando a falta de sentido não nos faz estagnar... um dia me disse que se a gente não mata o tédio o tédio nos mataria sem pena nenhuma...
Um dia me escreveu uma carta pedindo que eu não respondesse de forma alguma: sabia porque sabia que justamente quando falava esse tipo de coisa era quando eu me coçava pra lhe dizer o que pensava sobre o que ela escrevia quando se senta assim. Enfim, não a respondi e acho que ela fez de propósito, mas em fingir:
“Meu corpo é uma mala sem alça pesada que carrego cansando a alma. É uma bengala que encosto num canto qualquer e deixo pra traz pra que eu siga mancando e caindo no caminho na espera de sempre me machucar. Preciso dar ao mundo uma nova vida que “substitua" a minha... pois sinto o tempo esgotar aqui dentro... como se os ponteiros do tempo descrevessem o sentimento de eu ser mais útil como adubo para o mundo... isso eu sei que eu faria bem. Espero que em mim nasçam lindas margaridas... e que antes de murchar, alguém venha busca-las em mim
A primeira vez que me matei, foi um alívio estranho. Foi uma morte rápida, porém doce, tenuamente confortável, confortante. Se livrar de mim uma vez foi mais fácil pra que eu pudesse faze-lo mais vezes. A primeira vez foi mais fácil que a segunda. Dessa vez doeu mais. Foi como se alguém tivesse me assistindo... E isso me atrapalhou um pouco por que não pude ser tão livre pra me matar do jeito que eu realmente precisaria. Dessa vez demorou muito pra que eu entendesse que eu realmente estava me matando.
Das duas vezes tive em mim o carinho da morte em minha cabeça e flutuei, fui tão longe que voltei mais viva em mim. Cheia de gás pra se viver na vida um pouco mais de mim. Dessa vez voltei calma, descalça, nua. Sem pressa de me matar outra vez. Dessa vez, me matei desesperadamente. Porque eu estava doendo de mais em mim. Eu doía de mais vivendo. Foi um alívio me atirar do alto, me esfaquear aos poucos vendo sangrar lágrimas do meu corpo.
Eu me sinto como se fosse a ansiedade viva de quem espera a morte contando cada segundo. A angustia de quem sofre acordando sem querer todos os dias, pra passar o dia cheirando flores nos jardins... Jardins alheios porque nem pra cultivo de flores ando prestando muito. Eu sou o silêncio de quem grita alto por socorro num mar deserto. Eu sou o deserto de quem procura por água. Eu sou o fincar da agulha no dedo de quem costura e erra. Eu sou o caos, o vago, o raso, o vazio e a surpresa de uma mágica frustrada. Porque já não tenho mais segredos, já não sou nada mais que a espera das rugas no meu corpo. Gostaria de envelhecer 10 anos por dia pra que eu não precisasse me matar antes da morte tantas vezes... Sobre a terceira vez que me matei não vou falar, pra essa não terei tempo, vou descansar as palavras em mim e dessa vez é fato... não vou falhar.”
Eu não sei o que dizer. Eu realmente não sei... mas ando tomando mais cuidado com o tédio...

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